Brasília: derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional

• Textos: Ana Cristina Campos e Michelle Canes • Edição: Lílian Beraldo
• Fotos: Coordenação de fotos Agência Brasil • Implementação: Pedro Ivo de Oliveira

Motivo de inspiração para artistas, poetas e músicos, Brasília – a cidade-parque de Lucio Costa – completa 62 anos nesta quinta-feira (21).

Apesar da “pouca idade”, a capital de todos os brasileiros cresceu e, com 3,1 milhões de habitantes, é a terceira maior do país – ficando atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Com ares de metrópole, Brasília tem se afastado do projeto bucólico inicial de Lucio Costa, mas ainda conserva, na região central, as avenidas largas, os amplos espaços verdes, as árvores típicas do Cerrado e um horizonte aberto, difícil de encontrar em outras capitais.

O crescimento acelerado, entretanto, não roubou da capital os verbetes próprios, conhecidos, em geral, apenas pelos seus moradores. Afinal, Brasília é composta de “asas”, tem “tesourinhas” e, por suas vias, circulam as famosas “zebrinhas”.

No aniversário de 62 anos da cidade, a Agência Brasil resgata e atualiza um glossário de “brasiliês”, originalmente publicado em 2015, para homenagear a capital.

São palavras, expressões, nomes e termos usados para designar traços arquitetônicos e edifícios que fazem parte da história da capital e do vocabulário de quem resolveu escolher a cidade como lar.

Inspiração:

É assim que, sendo monumental, é também cômoda, eficiente e íntima. É ao mesmo tempo derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional… Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade-parque.

Lúcio Costa, no Relatório do Plano Piloto de Brasília.
Naquela noite
Suzana estava
mais W3
do que nunca
toda eixosa
cheia de L2
Suzana,
vai ser superquadra
assim lá na minha cama

Nicolas Behr, poeta
Dizia ele ‘estou indo pra Brasília
Neste país lugar melhor não há'

Renato Russo, Faroeste Caboclo

A

Asas

No Plano Piloto traçado pelo urbanista Lucio Costa, as asas Sul e Norte são compostas pelas quadras residenciais, quadras comerciais e entrequadras de lazer e diversão (onde também é possível encontrar igrejas e escolas).

A divisão entre norte e sul é feita pelo Eixo Monumental, uma grande avenida que corta a cidade.

B

Bloco

Criar bairros que favorecessem os laços entre as pessoas. Essa era a intenção do urbanista Lucio Costa ao criar, em Brasília, os blocos, prédios não muito altos e com o térreo livre, sobre pilotis.

O intuito era que esses espaços abertos permitissem, por exemplo, que as crianças brincassem próximas dos prédios e dos pais.

C

Cobogó

Constituído de uma parede ou um trecho de parede feita em blocos vazados, o cobogó é uma estrutura comum nos prédios residenciais de Brasília. No lugar de tijolos, emprega-se cerâmica, cimento ou concreto. O nome cobogó é formado pelas iniciais de seus criadores: Amadeu Oliveira Coimbra (Co), Ernest August Boeckmann (Bo) e Antônio de Góis (Go), de Pernambuco.

D

Dom Bosco

Em 1833, Dom Bosco teve um sonho sobre uma região de riquezas entre os paralelos 15° e 20°. Durante a construção da cidade, surgiu a crença de que a profecia se tratava da capital brasileira. Por isso, a homenagem ao santo que, anos depois, tornou-se o segundo padroeiro da cidade, ao lado de Nossa Senhora Aparecida.

A Ermida Dom Bosco foi inaugurada em 1957 e foi o primeiro templo construído em Brasília, à beira do Lago Paranoá. A pequena construção fica em um ponto por onde passa o paralelo 15º.

Em 1980, o então papa João Paulo II esteve em Brasília para abençoar uma estátua de Dom Bosco. Durante o discurso, o pontífice relembrou a relação entre o santo e a capital brasileira marcada pelo sonho.

E

Esplanada dos Ministérios

Localizada no Eixo Monumental, a Esplanada dos Ministérios é um dos locais mais conhecidos de Brasília. Para além do burburinho dos dias de semana e das decisões tomadas no centro político do país, a Esplanada se transforma nos finais de semana e abriga um outro público, formado por turistas, moradores que andam de bicicleta, além de esportistas.

F

Faixas de Pedestres

Elas estão em diferentes pontos da cidade e facilitam a travessia de quem caminha pelas ruas de Brasília. Apesar de estar presente em todas as cidades do país, a faixa de pedestres ganhou um novo status na capital federal quando, há 25 anos, uma intensa campanha de conscientização começou a mudar o comportamento do brasiliense no trânsito, que passou a “respeitar a faixa”.

De lá para cá, basta um “sinal de vida” – sinalização feita pelo pedestre com a mão ao se aproximar da faixa – para que o motorista pare o carro e dê a preferência para quem está a pé.

G

Gírias

“Mó legal”, para dizer que algo é muito legal, “pardal”, para se referir ao radar de trânsito e “bloco”, para um edifício. Se você é de Brasília ou vive aqui, deve ter essas expressões no seu vocabulário. Não é possível dizer que elas nasceram aqui ou que são exclusivas da capital, mas já fazem parte do modo de falar dos brasilienses.

Outra coisa difundida entre os adolescentes é o “tipo assim” (do tipo), o “véi” (forma de tratamento entre amigos), e o “mó”, de maior.

H

Hotel Palace

Projetado por Oscar Niemeyer e com painéis do artista plástico Athos Bulcão, o Brasília Palace Hotel foi fundado em 1958 pelo presidente Juscelino Kubitschek. Foi o primeiro hotel da capital federal, hospedou diversas personalidades. Foi fechado após um incêndio em 1978. Por vários anos, o esqueleto do prédio às margens do Lago Paranoá chamou a atenção dos brasilienses. Depois de restaurado e recuperado, voltou a funcionar em 2006.

I

Igrejinha Nossa Senhora de Fátima

A Igrejinha Nossa Senhora de Fátima foi a primeira capela de alvenaria inaugurada em Brasília, em 1958. Projetada por Oscar Niemeyer, foi a primeira obra na capital a contar com azulejos do artista Athos Bulcão – que revestem as paredes externas. Construída em 100 dias, foi erguida para pagar uma promessa da primeira-dama Sarah Kubitschek, feita pela cura de uma de suas filhas. A capela tem o formato de um chapéu de freira.

J,K

Juscelino Kubitschek

Em 19 de setembro de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek sancionou a Lei nº 2.874, que fixava os limites do futuro Distrito Federal e autorizava o governo a instituir a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).

No dia 2 de outubro do mesmo ano, acompanhado de pequena comitiva, JK embarcou para o Planalto Central para conhecer o local estipulado para a construção de Brasília. Poucos dias depois dessa viagem, foi estabelecido o prazo de três anos e dez meses para a construção da nova capital, inaugurada em 21 de abril de 1960. Cerca de 60 mil candangos (trabalhadores de todo o país) vieram para trabalhar na construção da nova capital.

L

Lago Paranoá

Formado artificialmente pelo represamento de diferentes cursos de água, o Lago Paranoá foi construído em 1959 para aumentar a umidade das áreas próximas. Com uma área de 38 km², o lago já passou por um processo de despoluição e hoje é um importante espaço de lazer e de esporte para quem mora na cidade. Nele, é possível andar de lancha, caiaque, de vela e de stand up paddle (SUP). Há ainda quem procure o lago para mergulhar ou apenas para nadar próximo a suas margens e apreciar a natureza.

M

Museu Nacional da República

Inaugurado em 15 de dezembro de 2006, o Museu Nacional do Conjunto Cultural da República virou, em pouco tempo, um espaço de encontro do brasiliense e de quem mora na cidade.

O Museu Nacional do Conjunto Cultural da República é obra do arquiteto Oscar Niemeyer e fica localizado na Esplanada dos Ministérios. O Conjunto Cultural da República é composto pela Biblioteca e pelo Museu Nacional, idealizados por Lucio Costa e previstos desde o final da década de 1950. Com obras iniciadas em 1999, o Museu Nacional representa uma síntese arquitetônica da modernidade que compõe os monumentos da Esplanada, segundo a Secretaria de Cultura do Distrito Federal.

N

Núcleo Bandeirante

O Núcleo Bandeirante foi criado em 1956 com a chegada dos primeiros pioneiros, segundo o Arquivo Público do Distrito Federal. A região foi a primeira região administrativa do Distrito Federal e, naquela época, era chamada de Cidade Livre.

O

Oscar Niemeyer e Lucio Costa

Brasília é marcada por grandes prédios públicos que levam a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer. O Congresso Nacional, os palácios da Justiça, do Planalto, da Alvorada, os ministérios e a Catedral Metropolitana estão entre as obras mais significativas.

O projeto urbanístico de Lucio Costa, que foi vencedor em 1957 do concurso para o Plano Piloto da nova capital do país, agradou pelo conceito inovador de cidade horizontalizada, na contramão do que se praticava nas grandes cidades brasileiras, segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.

P

Patrimônio Cultural da Humanidade

Em 1987, aos 27 anos, Brasília recebeu da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. A cidade foi o primeiro sítio urbano contemporâneo inscrito na lista de patrimônio mundial da organização.

Hoje, 35 anos depois, a cidade ainda vive um processo de crescimento e, para que seja preservada, a Unesco e os governos trabalham pela manutenção do patrimônio.

Q

Quadras

O projeto urbanístico de Lucio Costa para a nova capital tinha como base a ideia de quadras, compostas por 11 edifícios de seis pavimentos sobre pilotis. Cada conjunto de quatro quadras formaria uma superquadra, unidade de vizinhança provida de equipamentos de serviços e comércio para a comunidade que vivia na região.

A ideia de Lucio Costa era que a superquadra fosse uma unidade autossuficiente em que as pessoas não precisariam se deslocar de carro para fazer as coisas do dia a dia. A cada quatro quadras teria um conjunto de equipamentos públicos: escola, creche, jardim de infância, igreja, escola parque, cinema, clube.

Na cidade, apenas nas quadras 107/108 e 307/308 sul a unidade de vizinhança, como imaginada por Lucio Costa, foi realmente implantada.

R

Regiões Administrativas

A capital de todos os brasileiros cresceu e, hoje, o Distrito Federal é composto de 33 regiões administrativas que abrigam cerca de 3 milhões de habitantes.

Taguatinga, Águas Claras, Ceilândia, Samambaia e Sobradinho são apenas algumas das regiões que compõem o “quadradinho” do DF.

S

Seca

O morador de Brasília já sabe: por alguns meses haverá estiagem e o tempo seco tomará conta da cidade. Segundo o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), o Cerrado, bioma típico da região, é marcado por um clima tropical que apresenta períodos sem chuva que duram aproximadamente cinco meses.

Quando a seca chega, a população começa a tomar cuidados extras como beber mais água, cuidar da pele, evitar exercícios físicos no período mais quente do dia e priorizar a ingestão de frutas e comidas leves.

Sem as chuvas, o morador da cidade também costuma aproveitar mais o verde e atrações naturais próximas com cachoeiras, córregos e cavernas.

T

Tesourinhas

As tesourinhas são uma marca registrada de Brasília. Presentes nos planos de Lucio Costa, as tesourinhas – trevos em níveis diferentes – foram adaptadas para a cidade para evitar o cruzamento de vias e ajudar na circulação de veículos. De acordo com o professor de Arquitetura do século 20 do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) Rogério Andrade, as tesourinhas eram um recurso tradicionalmente usado em rodovias.

Para a adaptação das tesourinhas aos limites da cidade, o professor lembra que Lucio Costa teve influência do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. “Você vai ter as tesourinhas incorporadas pelo Lucio Costa dentro de uma cidade, para além do ambiente rodoviário, nesse contexto, baseado nas ideias de Le Corbusier, para que se evitasse o cruzamento de vias para ter uma circulação fluida.”

O arquiteto José Galbinski diz que as tesourinhas fazem um importante papel de ligação de vias na cidade. “É a função de dar acesso às superquadras e aos comércios locais a quem vem dos eixos, por exemplo. Isso funciona perfeitamente”, avalia.

U

UnB

A capital federal tinha apenas dois anos quando foi inaugurada a Universidade de Brasília (UnB), em 21 de abril de 1962. O educador Anísio Teixeira e o antropólogo Darcy Ribeiro – o primeiro reitor – foram chamados para planejar um novo modelo de universidade.

A UnB foi a primeira universidade do país dividida em institutos e faculdades. Os alunos tinham uma formação básica e, depois de dois anos, estudavam as disciplinas específicas de cada curso.

Também aniversariante do dia – a UnB completa 60 anos neste 21 de abril –, a universidade contabiliza 41,9 mil alunos na graduação, 10,8 mil estudantes de pós-graduação, 2,9 mil professores e 3,2 mil técnicos.

V

Verde

Com uma área de aproximadamente 420 hectares, o Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek é considerado o maior parque urbano da América Latina. Fundado em 1978, proporciona diversão gratuita para os moradores da cidade. O urbanismo é de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Já o paisagismo é de Roberto Burle Marx que buscou manter ao máximo as características do cerrado por meio da manutenção das árvores nativas.

Na cidade, a arborização das quadras residenciais também foi planejada. Além da sombra, uma das características marcantes é a presença de árvores frutíferas nas quadras.

w

W3

Principal avenida comercial da cidade nos anos 60 e 70, a W3 Sul viveu momentos de prestígio. Nas últimas décadas, entretanto, lojas fechadas e pouco público transformaram a avenida pulsante em um lugar decadente. Para reavivar essa parte da cidade, o governo local investe na revitalização da área desde meados de 2019 e aposta na chegada de novos empreendimentos e na reforma de estacionamentos e calçadas como chamariz.

A W3 é uma via que corta todo o Plano Piloto. Mais nova, a W3 Norte não viveu os dias de glória da irmã mais velha e, diferentemente do lado sul, não abriga residências às suas margens – com o comércio ocupando os dois lados da via.

X

Xique-Xique

Quando saiu de Caicó, no Rio Grande do Norte, em 1971, o objetivo de Rubem Pereira de Lucena era terminar os estudos na capital federal. Alguns anos depois, a saudade da terra natal apertou e ele resolveu abrir um restaurante de comida típica nordestina. “Todo mundo reclamava que não era fácil encontrar comida do Nordeste”, lembra o empresário. Para marcar ainda mais a relação com suas raízes, ele escolheu como nome da casa a palavra xique-xique, referente a um cacto.

Com mais de 40 anos, o Xique Xique tornou-se referência em Brasília tendo como prato principal a carne de sol – pedido feito por 80% dos clientes que frequentam o local.

Y

Yoga

Se engana quem pensa que viver em uma cidade grande significa não ter momentos de tranquilidade. Os espaços abertos e a paisagem podem ser aliados na hora de praticar atividades que buscam o equilíbrio do corpo. Uma prática milenar que vem atraindo os brasilienses é a yoga.

Os brasilienses têm procurado investir em eventos que aproveitem mais os espaços da cidade, como os gramados e o Eixão.

Z

Zebrinha

Em 1980, foi criado o Serviço de Transporte de Vizinhança como um complemento ao transporte público que existia na cidade. Para atender à população, o serviço usava micro-ônibus e tinha passagens a preços diferenciados. Outra característica era a ausência do cobrador e a proibição de viajar em pé dentro do ônibus.

O serviço era uma opção para quem queria se deslocar entre as quadras do Plano Piloto e a zona central da cidade e era conhecido pelo nome de zebrinha – devido às listras brancas e vermelhas da carroceria do ônibus.

Veículos com essa característica circularam até 2012, quando uma licitação do Sistema de Transporte Público Coletivo do DF determinou as cores dos ônibus de acordo com cada área de operação.

Em 2021, entretanto, os miniônibus do Serviço de Transporte Vizinhança voltaram a ter as cores tradicionais.

Atualmente, o Serviço de Transporte de Vizinhança conta com 46 veículos circulando em 12 linhas na área central do DF, que inclui Asa Sul, Asa Norte, Esplanada dos Ministérios, Cruzeiro, Octogonal, Sudoeste e os setores de Autarquias, Bancário e Comercial, além de duas linhas que vão até o Aeroporto.

E o nome zebrinha? De onde surgiu? Segundo o DFTrans, foi a própria população que fez a escolha em um concurso cultural.