O que eu tenho a ver com isso?

Assim como o transporte e a energia, a comunicação é um serviço público: trata-se de direito previsto na Constituição Federal de 1988. Diferente dos demais, no entanto, vários pontos do texto constitucional ainda não foram regulamentados, o que dificulta a execução e fiscalização desse serviço.

No Brasil, emissoras de rádios e TV são concessões públicas, assim como ocorre com as empresas de transporte que atuam na maioria das regiões do país. É como se o governo "emprestasse" às empresas o espaço de transmissão, que é um bem público, para ser explorado por elas. Da mesma forma como as concessionárias de ônibus exploram o serviço de transporte coletivo. Jornais, revistas e sites noticiosos, por sua vez, não são atingidos por essa discussão.

Como em todo setor em que a concessão é publica, regras devem regular a mídia nacional. Apesar das muitas ideias para um marco legal único - que substitua as diversas leis que tratam, hoje, dos temas do segmento de comunicação, e regulamente outros tantos pontos ainda não definidos -, são várias as dúvidas sobre como funcionaria essa regulação no Brasil. Isso ocorre porque ainda não há um projeto definido para funcionar como texto regulatório do setor de comunicação. Sendo assim, os questionamentos passam por pontos que vão desde a regulação econômica, até uma possível regulação de conteúdo da radiodifusão.

Sem marco legal para comunicação, violações na TV e no Rádio vão parar na Justiça

Com a falta de regulação das leis que tratam da comunicação no país e da regulamentação dos artigos que abordam o tema na Constituição, o poder judiciário tem sido acionado para resolver casos de violação de direitos cometidos por esses meios.

O caso mais emblemático aconteceu em 2005, quando entidades da sociedade civil se sentiram lesadas pelo programa Tardes Quentes, produzido e apresentado por João Kleber na Rede TV, e procuraram o Ministério Público Federal.

Na ação civil pública, assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão Sérgio Suiama e seis organizações da sociedade civil, o MPF acusou o programa de adotar “atitudes claramente depreciativas, preconceituosas e deturpadas de estereótipos de minorias, tais como homossexuais, idosos, mulheres, deficientes físicos e crianças”.

O resultado da ação foi uma decisão inédita na Justiça brasileira. A juíza Rosana Ferri Vidor, da 2ª Vara Federal de São Paulo, suspendeu a exibição do programa e determinou, como direito de resposta, a exibição por 30 dias de um programa educativo produzido pelos grupos que se sentiram ofendidos com o conteúdo veiculado pela emissora.

Casos recentes

Este ano novas decisões judiciais trataram sobre o tema e voltaram a punir emissoras por violações de direitos.

Em maio as emissoras de televisão Rede Record e Rede Mulher foram condenadas pela Justiça Federal em São Paulo a exibir programas de televisão como direito de resposta às religiões de origem africana por ofensas proferidas contra elas nos programas Mistérios e no quadro Sessão de Descarrego. Confira na íntegra a decisão.

A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF), Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab) e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert) com a alegação de que as religiões afro-brasileiras sofrem constantes agressões nesses programas.

O juiz federal Djalma Moreira Gomes da 25ª Vara Cível  usou como base a Constituição Federal e ressaltou em sua decisão que "a prestação de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens não é atribuída livremente à iniciativa privada".

Ouça trechos da entrevista com o juiz federal:

  • A liberdade de um esbarra nas liberdades e direitos de outro. Então você tem a liberdade de expressão, isso não significa que você possa ofender alguém.
  • O juiz considera que apesar da revogação da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, é possível	estabelecer o direito de resposta com base na legislação vigente.
  • Mesmo uma padaria, ou uma quitanda, ou um supermercado, por exemplo, devem observar regras sanitárias e de defesa do consumidor. Ou seja, são	livres, mas atividade é regrada.
  • Djalma considera que a legislação atual é suficiente para garantia da prestação dos serviços de radiodifusão no país, mas acredita que ela comporta aprimoramentos.

Em junho deste ano a Band Bahia foi condenada a pagar R$ 60 mil por dano moral coletivo por violação de direitos humanos na transmissão do programa “Brasil Urgente Bahia”. Na reportagem, exibida em 2012, a repórter Mirella Cunha ironizou de forma vexatória Paulo Sérgio Souza, preso acusado de estupro, durante o exame de corpo delito.

A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público da Bahia. Segundo o magistrado, “o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos”.

Como denunciar violação de direitos em rádios e televisão?

O que fazer quando a programação de TV e Rádio veicula conteúdos impróprios ou considerados ofensivos? Pela Constituição Federal, os veículos, que operam concessões públicas, devem privilegiar conteúdos educativos, artísticos, culturais e informativos, mas nem sempre é assim.  Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Dias, do Ministério Público Federal (MPF), "muitas emissoras acabam adotando uma prática que é colocar no ar conteúdo bastante questionável que, em alguns momentos, tangenciam para atos ilícitos", avalia.

Qualquer cidadão que avaliar que emissoras cometeram abusos em sua programação pode protocolar uma denúncia ao Ministério Público Federal. A partir daí, cabe ao MPF pedir esclarecimentos à emissora e ao Ministério das Comunicações com relação ao conteúdo que foi veiculado - o ministério também  recebe denúncias pelo email: denuncia@comunicacoes.gov.br.

Em seguida, é iniciado um diálogo com a emissora no sentido de uma retratação ou de abrir espaço em sua programação para veicular campanhas educativas ou que possam dar voz aos grupos que se sentiram atingidos pelo conteúdo.

Se não for possível um acordo com a emissora, o MPF parte para uma ação civil pública com o objetivo de aplicar sanções. “Nós atuamos em relação à emissora, para impor sanções e também com relação ao Ministério das Comunicações, para que ele atue de forma a fiscalizar esses abusos”, aponta Dias.

Fiscalização

Como as emissoras de televisão no país são concessões públicas, cabe ao Ministério das Comunicações o papel de fiscalizar para que o conteúdo veiculado respeite as leis do setor existentes no país.

O Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.  Já a Constituição Federal de 1988 prevê que a legislação deve "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão".

Ação para regulação da mídia no Brasil

Além dos casos pontuais de violação de direitos por emissoras de rádio e televisão, tramita hoje na Justiça brasileira uma ação que pede a regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do tema.

Em novembro de 2010, a partir de ação elaborada pelo jurista Fábio Konder Comparato, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação de Insconstitucionalidade por Omissão (ADO) visando a regulamentação de artigos da Constituição Federal relativos à Comunicação.

Quase dois anos depois, em abril de 2012, a Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu parecer favorável sobre o caso em  texto assinado pela vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, e aprovado pelo Procurador Geral Roberto Gurgel.

Entenda como foi o processo

A PGR entende que há a necessidade de disciplina legal da vedação ao monopólio e oligopólio dos meios de comunicação, assim como uma atuação promocional do Estado na democratização dos meios de comunicação - em referência às finalidades da programação de rádio e TV previstas no artigo 221.

Apesar do posicionamento favorável, o projeto ainda não foi levado à votação pelo Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista, Fábio Konder Comparato falou sobre o andamento do processo.

Novo marco regulatório para a Comunicação no brasil

Ainda não há um projeto definido para a regulação da mídia no Brasil, nem proposto pelo poder Executivo, nem pelo Legislativo. O tema voltou à pauta no início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT), quando o Executivo chegou a sinalizar uma proposta de regulação econômica, especificamente com o fim dos monopólios e oligopólios no que diz respeito à propriedade de veículos de comunicação. Entretanto, nenhum texto foi oficialmente encaminhado ao Congresso.

Em 2010, o então ministro da Comunicação, Franklin Martins, elaborou projeto de Regulamentação dos Meios de Comunicação, mas o texto foi engavetado sem a divulgação de sua íntegra. Já na atual gestão, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, afirmou – em comissão geral em que expôs as prioridades da pasta para 2015 – que o governo não tem projeto pronto de regulação da mídia.

Vai-e-vem

No Congresso Nacional, Berzoini negou que haja intenção de controle dos meios de comunicação e ressaltou que o governo pretende abrir amplo debate sobre o tema. Já durante o Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo, em julho deste ano, o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Emiliano José, foi enfático ao declarar que o Ministério não possui um “projeto pronto”.

Mobilização

Coletivos comunicacionais que compõem o Fórum Nacional Pela Democratização dos Meios de Comunicação (FNDC), por sua vez, formularam projeto de lei de iniciativa popular e colhem assinaturas para que o texto chegue ao Congresso. A proposta foi elaborada em 2013, a partir das resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, e traz um conjunto de medidas para coibir a concentração de propriedade no setor e promover a diversidade e a pluralidade nos meios de comunicação de massa.

A proposta precisa da adesão de 1% do eleitorado nacional – 1,3 milhão de assinaturas – para que se dê encaminhamento ao texto de iniciativa popular: ser protocolada na Câmara dos Deputados e seguir o trâmite até virar lei.

A proposta de iniciativa popular regulamenta os artigos 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição. Entre os principais dispositivos previstos, estão a criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública, veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos, proibição do aluguel de espaços da grade de programação e a definição de regras para impedir a formação de monopólio e a propriedade cruzada dos meios de comunicação.

O artigo 220 da Constituição Federal determina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer restrição. O texto ainda pontua que:

"os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio".
A ausência de regulamentação, no entanto, implica que não há uma definição legal do que se considera monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social. Para setores da economia em geral, como no caso do transporte, esses conceitos são claros.

Segundo o direito econômico, há monopólio quando um determinado mercado é dominado por um agente. Especialistas defendem, ainda, que o monopólio não ocorre apenas quando uma empresa detém a totalidade do mercado, mas, também, quando um produtor possuí parcela substancial do mercado de forma que seus concorrentes não possam influenciar sobre o preço de mercado.

O oligopólio ocorre quando o domínio do mercado é exercido por um número restrito de agentes econômicos. Trata-se do cenário em que um grupo de empresas detém o poder de mercado, de forma que seus concorrentes não influenciam o preço.

Um conceito exclusivo para tratar do mercado econômico da comunicação, a propriedade cruzada é entendida como o domínio, pelo mesmo grupo, de concessões para operar diferentes plataformas, - como radiodifusão, mídia impressa, televisão e segmentos na web – no mesmo mercado, seja ele local, regional ou nacional.

Apesar de esse modelo econômico ser proibido em outros países, o Brasil nunca criou qualquer norma que proíba ou limite a propriedade cruzada por grupos empresariais de mídia. Assim, os principais grupos de comunicação nacionais controlam diferentes tipos de meios de comunicação social nos mesmos mercados.

Comparando com um outro serviço público, é como se um mesmo grupo controlasse a grande parte do transporte público em uma cidade, sendo detentor de concessões para explorar os serviços como o de ônibus, trens e metrôs simultaneamente.

Outras opiniões

Propostas que tratam de assuntos correlatos também tramitam no Congresso Nacional desde 1988. O atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), já expressou opinião sobre o tema. “Não apoio, não comungo, nem sequer admito discutir iniciativa, a qualquer pretexto, que pretenda regular a mídia”, declarou em Plenário.

No mesmo caminho, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), afirmou que a manutenção da democracia no Brasil depende, “fundamentalmente”, da liberdade de expressão e da ausência de regulação da mídia ou de qualquer outro controle do gênero.

Apesar de considerar que pontos da atual legislação que tratam do setor das comunicações no país precisem de regulamentação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Dias, também avalia que é possível punir abusos com a legislação em vigor.

“Com relação ao aspecto de veiculação dos programas de baixa qualidade ou ofensivos, a legislação vigente já seria apta a fundamentar a adoção de medidas cabíveis. Nós podemos adotar não só a Constituição, mas todas as outras leis que de alguma forma tratam de concessão de emissoras de TV e também que tratam da veiculação de imagens de programas pelas emissoras, sem contar as portarias do Ministério das Comunicações”, considera.

Para o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, todo debate deve ser mantido. Ele acredita, entretanto, que a legislação existente já cumpre a função de penalizar excessos cometidos pelos meios de comunicação: “sou totalmente contra qualquer tipo de censura e controle editorial”, afirma.

Conheça alguns projetos que tramitam no Congresso Nacional

PL 6446/13

Regulamenta o direito de resposta e tramita junto a outras propostas sobe o mesmo tema:

  • Garante ao ofendido a veiculação de sua resposta com o mesmo destaque da matéria ofensiva.
  • O ofendido teria 60 dias para iniciar o processo a partir da veiculação da matéria, e o juiz teria que acionar o veículo em 24 horas, para apresentar seus argumentos.

PL 256/91

Regulamenta o princípio constitucional de regionalização da programação.

O texto aprovado na Câmara assegura a exibição de programas regionais durante 22 horas semanais nas regiões com mais de 1,5 milhão de aparelhos de televisão; de 17 horas em regiões entre 500 mil e 1,5 milhão, e de 10 horas nas regiões com menos de 500 mil. Os programas deveriam ser exibidos na faixa horária entre 5h e 24h.

para entender melhor

Espectro

No Brasil, o espectro eletromagnético, espaço por onde circulam as ondas de rádio e TV, é uma concessão pública. Ele pertence à sociedade, e cabe ao Estado ocupá-lo diretamente ou conceder o seu uso a empresas privadas, já que se trata de um bem limitado, finito.

A comunicação é um serviço público prestado por empresas privadas, assim como o transporte. Assim, o espectro eletromagnético pode ser representado pelas vias por onde trafegam diferentes veículos.

Regulação ou regulamentação?

Regulação diz respeito a uma atividade atribuída a um órgão regulador (fundamentalmente com a intenção de proteger o interesse público dos efeitos das atividades públicas e privadas).

regulamentação é o conjunto de medidas legais que regem determinado assunto. Ou seja, quando falamos em "regulação da mídia" também está presente o conceito de regulamentação das regras do funcionamento do setor audiovisual.

Constituição

A Constituição Federal Brasileira de 1988, quando promulgada, determinou que a radiodifusão é um serviço público. Desse modo, o setor é administrado pelo Estado e tem como objetivo principal o foco no interesse público.

Para isso, a Carta Magna determina a aprovação de lei federal para regulamentação de artigos previstos, principalmente, no Capítulo V, que aborda a Comunicação Social.

Constituinte

A discussão sobre a Comunicação na Assembleia Nacional Constituinte foi tumultuada, com obstrução dos trabalhos nas subcomissões, sendo que uma delas não chegou a apresentar seu relatório ao plenário.

De 15 de março de 1985 até a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988, o presidente José Sarney autorizou 1.028 concessões de rádios e TVs.

Em fevereiro de 1988 restavam menos de 30% das frequências e canais tecnicamente viáveis para novas concessões.

Código Brasileiro de Telecomunicações

A principal referência legal para a mídia é o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962. O texto foi criado com a finalidade de definir regras de funcionamento para os serviços de telecomunicações e radiodifusão no Brasil.

Regulamentado em 1963, o CBT passou por sua mudança mais estrutural, em 1997, quando foi aprovada a Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Hoje, os serviços de telefonia e de transmissão de dados são regulamentados por essa lei, cabendo ao CBT a parte de radiodifusão.

Conheça normas que complementaram o CBT desde 1962

Com o passar de mais de 50 anos, muitos dos artigos do CBT foram revogados, e outros tantos incluídos. Clique nas esferas coloridas para saber mais sobre cada legislação que complementa o código.

Extras