Mulheres em campo


Foto: Evelson de Freitas / ALLSPORTS

Conheça a realidade e o talento de jogadoras que precisam vencer o preconceito e a falta de estrutura para garantir espaço no esporte considerado a "paixão nacional".


Expediente

Reportagem: Camila Maciel, Géssio Passos, Luiz Cláudio Ferreira, Nathália Mendes e Patrícia Serrão
Edição: Edgard Matsuki, Lílian Beraldo e Noelle Oliveira
Roteiro: Nathália Mendes
Edição de vídeos: Ricardo Feliciano
Design e Implementação: Cadu Veloso e Alexandre Krecke

Com imagens e informações do Programa Caminhos da Reportagem - TV Brasil.
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Diferentes clubes, distintas realidades


Foto: Léo Caldas / ALLSPORTS

Vinte times de futebol feminino, de 14 estados, iniciaram a disputa pelo título de campeão brasileiro no dia 7 de setembro. Durante dois meses, as equipes vão participar do campeonato que ocorre anualmente desde 2013 e é organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A TV Brasil transmite o campeonato pela TV aberta e na internet.

Entre os times, condições bem diferentes de preparação. No Maranhão, o Esporte Clube Viana tem dificuldades para conseguir campo para treinar e as jogadoras não têm chuteiras. Já o Kindermann, de Santa Catarina, tem estrutura própria, como campo e alojamento, que garante a preparação das jogadoras. Nos dois casos, os times são os únicos a representar seus estados na competição.

A atacante do Viana, Alessandra Moreira, 20 anos, terminou o ensino médio no ano passado e conta com o apoio da mãe para continuar a jogar. “A gente tem que se virar, porque aqui ninguém ajuda. Eu penso em investir na carreira, mas se depender de São Luís, vai ser difícil”, relatou a jogadora criticando a falta de incentivo do Poder Público e de interesse de patrocinadores.

A condição é diferente para as jogadoras do Kindermann. O clube tem a própria estrutura de treino e as atletas recebem ajuda de custo (entre R$ 500 e R$ 3,8 mil), além de bolsa integral de estudos da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp).

Persistência e dedicação em campo


Foto: Daniel Oliveira / ALLSPORTS

Os megaeventos esportivos no Brasil, a retomada do Campeonato Brasileiro Feminino, os investimentos do governo federal e a formação da Seleção Feminina Permanente são fatores que contribuíram para a situação de maior visibilidade do futebol de mulheres hoje.

Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista na temática mulher e esporte, Silvana Goellner acrescenta um fator à lista: a persistência e a dedicação das atletas.

“Podemos atribuir [essas conquistas] também à persistência dessas mulheres que, com um cenário tão adverso, continuaram investindo no futebol. Apesar de entender o futebol de mulheres como ocupação, e não como profissão, pois muitas delas precisam ter outras formas de subsistência”, destacou a pesquisadora.

Silvana diz que o futebol masculino no Brasil é uma exceção a todos os esportes e discorda de comparações entre a modalidade feminina e a masculina. “[O futebol masculino no Brasil] não pode ser comparado nem ao feminino nem a outra modalidade esportiva, seja em termos de investimento, visibilidade, condições de infraestrutura ou calendário de campeonato”, afirmou.

Clubes cedem nome e escudo, mas apoio é público


Foto: Sirli Freitas/ ALLSPORTS

O time de futebol feminino da Marinha do Brasil já usou a camisa do Vasco, do Botafogo e, hoje, defende o título pelo Flamengo. Em menos de cinco anos, foram três clubes.

As equipes paulistas – São José e Ferroviária –, que também irão disputar o Brasileiro Feminino, são outras que carregam o escudo dos clubes, mas, na prática, só recebem o apoio financeiro da prefeitura e de patrocinadores. Embora não utilizem a mesma infraestrutura disponível para os homens e não recebam recursos, as mulheres herdam a apaixonada torcida dos clubes tradicionais.

Na Ferroviária, time da cidade de Araraquara, no interior paulista, a falta de recursos também é a justificativa para não manter um departamento feminino. “A situação é a mesma de vários clubes. É a prefeitura que cuida do futebol feminino, a Ferroviária só empresta o nome e o escudo”, explicou Felipe Blanco, gestor de marketing. A ajuda de custo das atletas é pago pelo governo municipal durante 11 meses do ano, variando de R$ 150 a R$ 1.200.

Mas nem todos as equipes conseguem se manter. O time do São Paulo anunciou seu encerramento, por razões financeiras, após perder a final do Campeonato Paulista Feminino. O clube explicou que o patrocinador não repassou, nos últimos quatro meses, os valores devidos.

COMO FUNCIONA O CAMPEONATO


Foto: Sirli Freitas/ ALLSPORTS

Os times que disputam o Campeonato Brasileiro Feminino estão divididos em quatro grupos com cinco equipes cada, que se enfrentam na primeira fase da competição. Os dois melhores de cada grupo seguem para as etapas seguintes: segunda fase (oito clubes distribuídos em dois grupos), semifinal (quatro clubes distribuídos em dois grupos) e final (um grupo de dois clubes).

Uma novidade nesta edição é que, na segunda fase da competição, os times poderão contar com o reforço de jogadoras da seleção permanente. Os critérios do sistema de seleção, conhecido como draft, ainda serão divulgados.

São Paulo é o estado com o maior número de times na competição. Serão seis na disputa pelo título: Adeco, Ferroviária, Portuguesa, Rio Preto, Santos e São José. Em seguida, está o Rio de Janeiro com dois clubes: Duque de Caxias e Flamengo. Os demais estados participantes têm apenas um clube: Iranduba (AM), São Francisco (BA), Caucaia (CE), Viana (MA), Mixto (MT), América (MG), Pinheirense (PA), Botafogo (PB), Foz Cataratas (PR), Vitória (PE), Tiradentes (PI) e Kindermann (SC).

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A história do futebol feminino no Brasil


Foto: Benonias Cardoso / ALLSPORTS


Conta a história do futebol que as regras do esporte e a primeira bola de futebol do país vieram para São Paulo na bagagem de Charles William Miller em 1894. De lá se difundiram pelo país inteiro e começaram a se formar clubes e ligas de futebol profissional. Já a história do futebol feminino no país não é tão fácil de rastrear.

Não existiam, logo de início, partidas oficiais de futebol feminino. Daniela Alfonsi, do Museu do Futebol, conta que há indícios de que mulheres jogavam futebol já no começo do século XX, mas não havia registro em jornais."A gente levou um susto quando viu que, em 1926, o circo ‘Os Irmãos Queirolo’ anunciou em seu espetáculo um torneio de futebol feminino. Essas moças vestiam as camisas dos clubes por onde o circo passava", conta.

Sobre a falta de notícias nas páginas esportivas, Aira Bonfim, também do Museu do Futebol, explica que é possível encontrar um pouco da trajetória do futebol feminino nas notícias de polícia: "Havia notícias da proibição do esporte, time sendo preso, a técnica sendo prejudicada ou tendo o nome dela sujo".

HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO


Foto: Evelson de Freitas / ALLSPORTS

Em 1941, o governo de Getúlio Vargas baixou um decreto lei que proíbia as mulheres de praticarem esportes que fossem contra "as condições de sua natureza". Daniela Alfonsi, do Museu do Futebol, esclarece que “o decreto não especificava qual o esporte, mas logo se lê nas entrelinhas que o futebol era um deles”.

Mesmo que ilegalmente, algumas mulheres continuaram praticando o esporte, até que em 1965 surgiu uma nova restrição. A Ditadura Militar, por meio do Conselho Nacional de Desporto (CND), publicou a resolução número 7/65, que proibiu as mulheres de praticarem lutas, futebol, pólo aquático, rugby e beisebol no país.

A mudança após medalhas


Foto: Benonias Cardoso / ALLSPORTS

A lei só vai ser revogada 14 anos depois, quando uma equipe de lutadoras de judô foi até o Uruguai participar de uma competição. "O técnico inscreveu todas as mulheres com nomes de homens para o CND não barrá-las. Quando elas voltaram, o CND percebeu e as chamou para serem interrogadas. Elas apareceram no interrogatório vestidas com o quimono de luta e com as medalhas que tinham conquistado.”, conta Mariane Pisani, Antropóloga da USP.

A primeira seleção brasileira de futebol feminino foi convocada pela CBF em 1988. Das 18 jogadoras convocadas, 16 pertenciam ao Radar, principal time de futebol feminino da época. Esta equipe conseguiu vencer o “Women’s Cup of Spain” , derrotando seleções como Portugal, França e Espanha e ganhando o primeiro título internacional para o Brasil. Depois disso, o futebol feminino cresceu muito e a Fifa passou a organizar os eventos da modalidade, realizando inclusive a primeira Copa do Mundo em 1991, na China. Em seguida, vieram a inclusão da modalidade nas Olímpiadas de Atlanta em 1996.

O FUTEBOL FEMININO NO BRASIL E NO MUNDO


Foto: Sirli Freitas/ ALLSPORTS




Altos salários, hotéis cinco estrelas, prêmios, reconhecimento e destaque na mídia. Essa não é a realidade das jogadoras de futebol feminino no Brasil . Diferentemente dos homens que jogam a Série A, tratados como estrelas, nem aquelas que já ganharam títulos importantes possuem contratos elevados ou podem dispensar um outro emprego. O programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, mostra que só mesmo muito amor mantém essas atletas no esporte.

"O que nos move é a vontade de estar ali, não o sonho de ser rica", revela Thaís Prioli, jogadora do Guarani. Essa é a opinião não só de quem está no começo de carreira, mas também da experiente Marta, eleita por cinco vezes seguidas a melhor do mundo pela Fifa. "Não tem como ficar no patamar do masculino, mas queremos nos dedicar ao futebol, como profissionais . A maioria [das jogadoras] tem outro trabalho".

A especialista em psicologia do esporte da Universidade de São Paulo, Kátia Rubio, afirma que recebeu da presidenta Dilma Rousseff a recomendação para garantir um cuidado especial com o futebol feminino. "Até conseguir convite para jogar no exterior elas precisam de muita força de vontade para superar os problemas. Se alimentam mal, são mal alojadas, não têm salário decente e muitas desistem sem vislumbrar futuro".

Sem comparação com os homens


Foto: Benonias Cardoso / ALLSPORTS

A jogadora Mayara Bordin, 27 anos – atualmente no time do Adeco (SP) – avalia que o modelo construído no futebol masculino não deve ser perseguido pelo feminino. “Acho que não tem necessidade de chegar no jeito que eles estão, estamos vendo onde os clubes estão chegando, se atolando em dívidas. Mas a gente também não precisa viver do jeito que vive”, avaliou.

Mayara lamenta que os salários ou a ajuda de custo das jogadoras não cheguem a 1% do total recebido pelos homens. O Adeco – time do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, equipamento da prefeitura de São Paulo para esporte de alto rendimento – foi o campeão do Brasileirão feminino em 2013.

A jogadora lembra que essas disparidades não ocorrem apenas no futebol. “Em todos os campos de trabalho, há diferenças muito grandes em termos de salário, condições”, lamentou.

COMO FUNCIONA NO EXTERIOR


Foto: Christian Rizzi / ALLSPORTS

Quem está no ramo sabe que o futebol feminino brasileiro ainda está muito distante de outros países. A técnica do São José (equipe que foi a primeira campeã do mundo), Emily Lima, lembra que na Espanha o calendário do campeonato feminino acompanha o do masculino.

A goleira Thaís Picarte, por sua vez, critica a falta de atenção e de planejamento por parte da CBF. "No Japão, os investimentos começaram 10 anos antes. No Brasil, apenas há seis meses. Ninguém pode achar que se investiu demais".

SEM LUGAR PARA TREINAR


Foto: Ferdinando Ramos / ALLSPORTS

A menos de duas semanas do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, que começou em 7 de setembro, essa era a situação do time maranhense Esporte Clube Viana que completou duas décadas este ano. Viturino Santos, presidente do clube, conta que tem dificuldades para conseguir recursos para viabilizar o treino do time.

Para o aluguel do campo de futebol, ele precisava de R$ 150 (para duas horas). Para custeio da passagem das jogadoras, mais R$ 120, a cada treino. “A gente faz das tripas coração para fazer o futebol feminino. É uma dificuldade danada. A gente tira do bolso mesmo para poder fazer”, lamentou. Diante das dificuldades, não há uma regularidade nos treinos. “A gente treina um dia e passa quatro sem”, relatou.

Viturino conta que o Viana, que é originário do município de mesmo nome, a 230 km de São Luís, precisou mudar sua sede para a capital para viabilizar a participação das jogadoras. “Estamos em São Luís mesmo, porque as meninas são daqui. Em 2011, tivemos apoio [da prefeitura de Viana] e contratamos até jogadoras de outros estados”, lembrou.

NEYMAR "BANCARIA SOZINHO" O FUTEBOL FEMININO


Foto: Daniel Oliveira / ALLSPORTS

A falta de viabilidade econômica do futebol feminino é um dos problemas apontados pelo coordenador do futebol feminino da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Marco Aurélio Cunha. "A divulgação é mínima porque o reflexo publicitário é mínimo", pondera.

"O Neymar, com seus 18 patrocinadores, bancaria sozinho todo o futebol feminino", compara Marco Aurelio. Já para o atual técnico da seleção feminina, o problema não está na CBF, mas no "todo", incluindo os incentivos "dos municípios e dos estados", conclui Vadão.

EXCLUSÃO E FALTA DE VISIBILIDADE


Foto: Christian Rizzi / ALLSPORTS




O pequeno Emanuel Vitor Dionísio, de dez anos, tem dois ídolos no futebol: Cristiano Ronaldo e Marta. Perguntado quem é melhor entre os dois, ele não titubeia ao responder: “os homens, né?”. O português do Real Madrid foi eleito o melhor jogador do mundo três vezes. A craque brasileira recebeu o prêmio cinco vezes consecutiva, coleciona 12 indicações e é a maior artilheira em Copas do Mundo.

As mulheres que decidem jogar futebol profissionalmente têm um feroz marcador em seus calcanhares durante toda a carreira: o preconceito. “Quando falam (que o Brasil é o) país do futebol, você sempre tem que fazer a pergunta: 'para quem?'. Porque para as mulheres não é, infelizmente”, argumenta a filósofa Djanira Ribeiro.

De acordo com o Diagnóstico Nacional do Esporte, feito recentemente pelo Ministério do Esporte, o futebol foi o esporte mais praticado em 2013: 42,7% dos entrevistados afirmaram ter tido contato com a prática. Entre as mulheres, no entanto, é o voleibol que concentra o maior número de praticantes - são 20,5%, contra 19,2% das adeptas do futebol.

Enquanto os homens aprendem a chutar uma bola tão logo dão os primeiros passos, as jogadoras de futebol precisam driblar a falta de oportunidades de aprender o esporte, o número reduzido de escolinhas de futebol e categorias de base para mulheres. 

MACHISMO: UNIFORMES QUE “NÃO ATRAEM PATROCÍNIO"


Foto: Christian Rizzi / ALLSPORTS

Além das questões salariais, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista na temática mulher e esporte, Silvana Goellner, diz que há muito preconceito e que as desigualdades de gênero se expressam de diversas formas no futebol.

“Um discurso recorrente é que o futebol feminino não atrai mídia porque os uniformes são muito largos, as mulheres não são bonitas e, às vezes, ostentam um comportamento muito masculino. Esse tipo de preconceito existente no futebol é um dos entraves para o desenvolvimento da modalidade”, avaliou.

A especialista critica discursos, em especial o da imprensa, que valorizam aspectos não relacionados à prática esportiva. “Falar da beleza das jogadoras é um detalhe que não interessa. O que teria que se falar é das habilidades esportivas, técnicas, táticas, isso que é importante no esporte”, defendeu.

Da brincadeira ao esporte profissional


Foto: Christian Rizzi / ALLSPORTS




“Você quer brincar"? Foi essa pergunta que levou Thaís Prioli, meia-esquerda da equipe do Guarani (SP), a começar a jogar aos oito anos. Nas aulas de balé, se encantava com o treino de futebol do clube onde dançava. O técnico do time fez o convite que mudou sua vida. A maioria das atletas segue o mesmo caminho: começam "brincando" junto com os garotos.

É difícil achar escolinhas de futebol feminino. E quando jogam com meninos, também há percalços. Thaís precisou lutar na Justiça para ter o direito de participar de campeonato com garotos. A Secretaria de Esportes responsável pelos jogos no estado de São Paulo a proibiu de participar após um pai reclamar que "o filho tinha perdido para uma menina". O São Paulo, clube onde treinava na época, recorreu e Thaís passou a ir aos jogos junto a um oficial de Justiça.

O início da craque Marta no futebol não foi diferente. “Comecei a jogar quando eu tinha 6, 7, 8 anos. Nesta idade, a gente não sabe se quer se tornar um atleta profissional e viver daquele esporte. Jogava porque os meus primos jogavam e eu não queria ficar de fora, mesmo sendo a única menina”, lembra.

Miraildes Maciel Mota, mais conhecida como Formiga, tem 20 anos de seleção brasileira e é a única jogadora que já participou de cinco jogos olímpicos. Ela conta que começou mesmo a jogar na rua, com os irmãos e vizinhos. "Era raro ver menina jogar bola”, lamenta.

Profissionais "sem carteira assinada"


Léo Caldas / ALLSPORTS

Além de começarem a treinar mais tarde que os garotos, as meninas ainda enfrentam outras dificuldades como o preconceito, a precariedade do futebol feminino e os baixos salários.

Thaís Prioli exemplifica as dificuldades do futebol feminino no Brasil: “É profissional lá no papel, mas os campeonatos são amadores. Apesar de ter Campeonato Paulista, Brasileiro, Copa do Brasil, é com muita dificuldade, sem dinheiro nenhum. Os times têm que se virar para comer, para viajar. Você é profissional de futebol, mas não tem carteira assinada”, critica.

Gabrielle Portilho, atacante do São José, acredita que as atletas brasileiras não possuem boas opções de emprego dentro do país. “Minha opinião é que hoje, no Brasil, não dá para viver só de futebol recebendo o salário que a gente recebe. Não é muito, mas é o que sustenta a gente hoje. Tem que ir para fora ou para a seleção a fim de conseguir algo melhor. Não tem ninguém aqui que recebe mais de R$ 3 mil”, pontua.

A goleira do São José, Thais Picarte, já jogou na Espanha e na França, mas resolveu voltar para terras tupiniquins por saudades de casa. Entretanto, reclama que a falta de estrutura afasta muitas atletas. “ É medíocre a condição de futebol no Brasil. Muitas meninas deixam de jogar aqui por falta de estrutura. Temos alguns clubes bons aqui em São Paulo, mas, no resto do país, é difícil encontrar clubes que te ofereçam uma base legal para jogar”, lamenta.

Fifa, CBF e dúvidas


Foto: Roberto Lemos/ ALLSPORTS

Após a Copa do Mundo de 2015, a CBF ganhou uma verba da Fifa para investir em futebol feminino. A entidade máxima do futebol destinou 15% dos R$ 100 milhões que deixou como parte do "legado da Copa" à modalidade.

Joseph Blatter, presidente da FIFA, antes da Copa do Mundo de Futebol Feminino, prometeu dar mais poder e visibilidade às mulheres. Atualmente, só há uma representante feminina no Comitê Executivo da Fifa, Lydia Nsekera, de Burundi. O presidente declarou, em maio, que desejava mudar o estatuto para facilitar o acesso de mulheres aos cargos mais altos do futebol.

Com o pedido de renúncia de Blatter, em junho deste ano, e novas eleições convocadas para dezembro de 2015 até março de 2016, não se sabe como será a política da Fifa para o segmento.

Conheça aquelas que popularizam o futebol no Brasil


Foto: Marcelo Pereira / ALLSPORTS


Marta, cinco vezes melhor do mundo

A alagoana Marta Vieira da Silva é a única pessoa que já foi escolhida por cinco vezes como a melhor jogadora de futebol do mundo. Mesmo assim quando se pergunta às crianças brasileiras qual é o seu ídolo elas elegem no esporte Cristiano Ronaldo, Neymar, Messi, ou outro jogador homem. A brasileira só é lembrada quando a pergunta é "qual a melhor jogadora de futebol feminino".

A diferença entre homens e mulheres ainda é muito grande, mas muito menor do que na época de quando Marta era criança: “Quando eu era muito pequenininha era difícil ver futebol feminino, então eu me espelhava no Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Romário, Ronaldo. Não tinha uma referência no futebol feminino. Eu fui conhecer as meninas quando eu cheguei a ter esta oportunidade de vir para a seleção e jogar em um time profissional”, conta.

Além do título de cinco vezes melhor do mundo, Marta também ajudou a seleção a conquistar duas medalhas de prata (nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, e Pequim, em 2008), dois ouros em Jogos Pan-Americanos (em Santo Domingo, em 2003, e Rio, em 2007) e fez fama jogando na Europa e Estados Unidos. Não é à toa que ela se tornou referência no esporte.

Léa Campos, primeira árbitra de futebol do mundo

Foto: Benonias Cardoso/ ALLSPORTS

Léa Campos sempre gostou de jogar futebol, mas a prática do esporte, na época, era proibida para mulheres no Brasil. “Toda vez que eu jogava eu ia presa, então eu resolvi fazer o curso de árbitro porque a Constituição não falava nada sobre apitar, só falava sobre jogar futebol”.

Difícil foi ter o diploma validado pela Confederação Brasileira de Desportos, cujo presidente era João Havelange. Primeiro ele negou a validação com base na resolução 7/65, que proibia as mulheres de praticarem futebol no pais. A segunda e a terceira negativas vieram com justificativas ‘médicas’, de que a mulher não teria estrutura óssea para a prática e que ela não conseguiria apitar "menstruada".

Léa não se deixou abater com o “não” de Havelange, conseguiu audiência com o então presidente Médici e saiu com uma carta solicitando a validação.“Estar no México para apitar um jogo foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida. Porque tocaram o hino dos dois países e tocaram o hino nacional para mim. Eu levei uns dez minutos para me recompor”, lembra emocionada.

Zalfa, beque do primeiro time de futebol feminino no país

Foto: Daniel Oliveira / ALLSPORTS

O Araguari Atlético Clube é considerado o primeiro clube do Brasil a formar um time feminino. Zalfa Peixoto, que jogava como zagueira, lembra com carinho da época que fazia parte da equipe. “Todo mundo queria ver as mulheres jogarem futebol. Éramos todas muito novas. A torcida sempre invadia o campo porque queria autógrafos. Era uma coisa que não tinha assim, porque a gente foi as primeiras do futebol. ”

Em 1959 a equipe feminina do Araguari foi desfeita. “Como eles já estavam percebendo que o futebol feminino estava ganhando uma grandiosidade, eles resolveram desengavetar uma lei de 1941 que proibia o esporte para mulheres. E foi tanta decepção” lamenta Teresa Cristina Cunha, jornalista e filha de Ney Montes, o diretor do colégio que teve a ideia da criação do time.

Só na década de 80 que o futebol feminino foi se reorganizar no Brasil. A primeira seleção Brasileira de futebol feminino foi convocada pela CBF em 1988. A primeira Copa do Mundo foi realizada em 1991, na China. E em 1996 a modalidade foi incluída nas Olímpiadas de Atlanta.

Capitã do São José, Bagé jogava com chuteiras emprestadas

Foto: Léo Caldas / ALLSPORTS

A capitã e zagueira do São José Esporte Clube, Daiane Rodrigues, ou Bagé, como foi batizada por causa da cidade em que nasceu no Rio Grande do Sul, conhece bem as dificuldades de mulheres que decidem apostar no futebol.

“Minha história é de muita luta. Meu tio emprestava a chuteira. Eu calçava 36 e ele, 38. Tinha que pôr dois meiões e duas palmilhas. Estou contando minha história, mas a grande maioria das meninas passam [por isso]. Meus professores faziam vaquinha para eu poder viajar”, disse.

Desde o início da carreira, Bagé treina em times paulistas e conseguiu se manter como profissional do futebol, mas fez questão de concluir a graduação em Educação Física.

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